08/03/13

Depoimento - 7

A modernidade da universidade


Por Manuel Jacinto Sarmento, Professor do Instituto de Educação

Da linguística estrutural à teoria da relatividade, dos estudos feministas à epistemologia da complexidade, da sociologia urbana aos estudos pós-coloniais, muitos dos grandes contributos das universidades para o conhecimento contemporâneo nasceram fora do “mainstream”, do lugar onde repousam os consensos e as práticas instituídas. A própria mudança das universidades como instituições teve, historicamente, que ser feita a partir não dos lugares da dominação mas dos espaços instersticiais da não conformidade, do edifício de matemática da Universidade de Coimbra, aos campos (duplamente periféricos) de Nanterre e de Vincennes. Em Coimbra, designa-se por “tomada da bastilha” o fausto oitocentista, ainda hoje celebrado, da mudança histórica, a partir de uma revolta estudantil, das práticas de gestão universitária.
É por isso que convém olhar o futuro da universidade para além do que hoje se instituiu como norma dominante: a modernização está lá, porventura, onde se procuram novas práticas, outras lógicas e sentidos alternativos para a construção e transmissão de um saber implicado com a construção do bem-estar social. Lá, onde a construção da universidade é uma renovação da tradição académica e não a adoção dos processos e das práticas que constituem os critérios de referência do desempenho competitivo das empresas e dos mercados. Numa palavra, a modernidade e o progresso da Universidade não se definem pela performatividade dos desempenhos individuais, pelos rankings de Xangai, pela avaliação da qualidade em formas estandartizadas, pelos guiões de desempenho que rasuram a diferença, pelo controlo das opiniões que excluem o incómodo da crítica, pela dependência de financiamentos que ocultam a gratuitidade social do saber, pelos dispositivos de gestão tecnoburocrático que tendem a considerar os processos democráticos de decisão como um desperdício, pela hipervalorização da contabilidade dos produtos académicos que abstraem da sua efetiva pregnância científica e relevância social.
Nos últimos tempos, movimentos como por exemplo o “slow science”, ou o “champ libre aux sciences sociales”, ou ainda “citizen sciences” abalaram universidades de muitos países do mundo; é, por lá, talvez, que espreita a modernidade das universidades e das instituições científicas. É por lá, certamente que perpassa um sentido verdadeiramente humano, verdadeiramente comunitário e verdadeiramente social do trabalho académico e da vida nas universidades. Estas são lugares de trabalho, de debate e de crítica. Os “campi” são lugares onde se realizam concertos, onde o debate da atualidade é permanentemente procurado, onde os rituais se tornam residuais ante o ambiente convivial. O ensino é esse lugar onde o aprendiz toma, freirianamente, o lugar do mestre, pelo incentivo à autonomia criadora e ao rigor da exposição coletiva. A investigação é esse espaço do tempo certo para o pensamento, a leitura, a aprendizagem e a descoberta. A administração é o lugar da escolha entre opções distintas e projetos submetidos ao escrutínio coletivo. A vida em comum é o espaço de encontros e desencontros moldados pelo sentido da responsabilidade pública e do respeito das diferenças. Esse lugar, esse topos (ou esse u-topus?) é o da universidade cidadã.

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