18/02/13

IDEÁRIO - 5:
Ser ou não ser fundação

O Conselho Geral promoveu um debate longo, plural e participado, sobre o regime fundacional, a que apenas apontámos como crítica o facto de não ter aceitado a nossa proposta de realização de uma auscultação às Escolas, usando, de resto, a figura estatutariamente prevista da solicitação de pareceres (artigo 28º, nº 6). Não se compreende, aliás, como uma matéria desta relevância possa não ter justificado tal solicitação.
Como então observámos, em termos de processo de decisão, tratou-se de “uma decisão de tipo vanguardista e modernizador, na qual a estrutura a transformar não é verdadeiramente sujeito da sua própria transformação, mas sobretudo objeto de uma transformação operada por outrem, de cima para baixo, menorizando e alienando os atores universitários”. Decisão formalmente democrática e legítima, que aceitámos e temos respeitado, mas de cujo conteúdo continuamos a discordar, foi tomada com base numa preocupante ausência de conceptualização, à margem de uma ideia minimamente densa e articulada de “universidade-fundação”, ao invés daquilo que seria exigível numa Universidade.
Não era, porém, difícil antecipar o que poderia vir a suceder, uma vez solicitada a passagem ao regime fundacional, consoante advertimos um mês antes da votação:
 “[…] face às incertezas do tempo presente, a uma eventual vitória da tese fundacional no interior do Conselho Geral poderá vir a corresponder uma falta de interlocutor governamental em tempo útil, uma mudança radical dos pressupostos políticos, a simples deslegitimação da figura, hoje sob generalizada suspeita, de fundação, ou a ausência de recursos a afetar, de que resultaria uma situação comprometedora e de grande fragilidade para a Universidade. Uma “vitória” interna da tese fundacional, mas uma “derrota” externa, contextual. Um ato de voluntarismo da Instituição de que pode vir a resultar uma situação desprestigiante ou embaraçosa” (25 de abril de 2011). 
De acordo com a análise que fazemos, é exatamente naquela situação embaraçosa que tem vivido a UMinho ao longo de mais de um ano e meio, sob explicações ineficazes e ofícios não tranquilizantes, com anúncios de revisão da legislação e a apresentação da nova categoria, ainda mais enigmática, de “autonomia reforçada”. Não somos a favor, nem contra, uma nova categoria cujo conteúdo simplesmente se desconhece até este momento, mas conhecemos, agora em detalhe e com os respetivos efeitos no nosso trabalho, os cortes orçamentais que, ano após ano, se repetem em todas as Universidades, incluindo as fundacionais. Nalgumas destas, tem ainda sido possível acompanhar, até pela comunicação social, certas lógicas de transformação institucional que sempre nos pareceram plausíveis no caso das fundações, segundo um certo racional de inspiração empresarial e, consequentemente, vêm sendo tentadas, ou impostas, diversas limitações a processos de gestão e escolha democráticos.
Em contexto de profunda crise, de cortes orçamentais e de uma política de ensino superior que ainda ninguém parece ter conseguido divisar, o entusiasmo pelo regime fundacional parece consideravelmente esbatido atualmente e, em qualquer caso, será matéria que o próximo Conselho Geral não poderá deixar de voltar a analisar. Se eventualmente alterados os pressupostos, designadamente jurídicos, da decisão anteriormente tomada, será então forçoso voltar a ponderar o assunto, confirmando, ou não, a decisão inicialmente tomada, sem o que o referido processo careceria de legitimidade.
Contudo, a menos que uma mudança significativa venha a ocorrer, permanecemos críticos do regime fundacional, mais justificado em termos instrumentais e de autonomia de gestão para o gestor de topo, e como forma mais ágil de contratação e gestão de pessoal sob novas condições e vínculos, do que por razões de substância universitária.
O eventual reforço da autonomia de gestão não só não é certo que venha a ocorrer como, mesmo ocorrendo, não é plausível que venha a ser democraticamente distribuído pelas estruturas académicas, especialmente numa Universidade que permanece muito centralizada em termos de poder de decisão e onde, apesar das promessas descentralizadoras, as Escolas não conseguem romper com a sua tradicional e exagerada dependência face ao Reitor.
Talvez a autonomia relativa das Escolas esteja mesmo a sofrer um processo de erosão em várias áreas da sua intervenção, devido a distintas razões que urge estudar e debater, com destaque para os efeitos de um possível desmantelamento do Estado Social e de uma austeridade que se revela quase sempre centralizadora em termos da tomada de muitas decisões. Decisões com impactos orçamentais e outros, incluindo as condições de acesso e de permanência dos estudantes, designadamente através do sistemático aumento das propinas e do correlativo processo de desresponsabilização do Estado. Num tempo de crise, em que novos aumentos das propinas são propostos, é incontornável saber como vai a UMinho reagir em termos de solidariedade e de responsabilidade social para com os estudantes e a Comunidade.
Também por aquelas razões duvidamos das soluções, fundacionais e outras, que são justificadas pela sua maior capacidade de adaptação às contingências de um ambiente que é sempre visto como externo e para além das capacidades de intervenção e de mudança das instituições universitárias, individualmente e coletivamente consideradas. Uma certa adaptação, mais ou menos isomórfica, da Universidade ao ambiente turbulento e ameaçador em que se insere, conduziria pretensamente a um maior sucesso, esquecendo que a Universidade também faz parte desse ambiente. Ela é, ainda, uma das instituições com mais recursos em termos simbólicos, de prestígio social, de conhecimento e de influência, dotada de importantes meios para rejeitar uma simples estratégia adaptativa, uma ilusória “melhor forma” de gerir a crise, desistindo da sua vocação crítica e de diagnóstico da sociedade e da economia, das suas capacidades cognitivas e obrigações ético-políticas para com a Comunidade, no sentido de afrontar criativamente a crise e de, responsavelmente, contribuir para a sua superação.
Ninguém ignora as dificuldades de realização de uma vocação crítica e de uma agenda que possa contribuir para a transformação social, mas se isso não fosse assumido e tentado, para que serviria afinal uma Universidade, qual o seu papel na promoção do bem comum e na “construção de um modelo de sociedade baseado em princípios humanistas que tenha o saber, a criatividade e a inovação como fatores de crescimento, desenvolvimento sustentável, bem-estar e solidariedade”, conforme nos comprometemos no artigo 2º dos Estatutos da UMinho?

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