Texto apresentado hoje perante o Conselho Geral da Universidade do Minho:
Proposto pelo XVIII Governo Constitucional, o designado “Contrato de Confiança no Ensino Superior para o Futuro de Portugal” evidencia algumas potencialidades no que concerne a um distinto relacionamento entre a tutela e as instituições, marcado nos últimos anos por uma situação que o título do mencionado Contrato parece não escamotear, bem como no que se refere à diminuição dos impactos de uma política de subfinanciamento público, que o texto do Contrato acaba por reconhecer.
Ao assumir como objectivo “Garantir mais formação, para mais alunos” e “reforçar a abertura social do ensino superior”, parece, ainda, poder vir a constituir-se como um contributo relevante para a democratização do acesso à educação superior [i].
Não se pode, contudo, deixar de observar que o Contrato proposto opta por um conjunto de orientações que pode colocar em causa os seus objectivos mais generosos, embora as opções concretas de cada instituição possam vir a reforçar os limites daquelas orientações ou, pelo contrário, a contribuir para superá-los.
Em geral, deve reconhecer-se que, ao adoptar-se uma lógica de Programa, balizado no tempo e por metas quantitativas, dificilmente se poderá, por essa via, afrontar os problemas estruturais do ensino superior, e nem sequer os relativos ao seu financiamento público, como se compreenderá no final da vigência do Contrato, ou mesmo antes, se este vier a ser abandonado, ou revisto, devido a circunstâncias políticas que não seriam inéditas em Portugal.
A sustentabilidade orçamental do ensino superior não será alcançada através desta medida, mesmo admitindo que ela poderá mitigar alguns problemas. Note-se que alguns dos mais graves problemas que afectam estruturalmente o ensino superior também não serão passíveis de afrontamento por esta via, designadamente:
- - frágeis condições de acesso, permanência e sucesso dos estudantes, no quadro do
pagamento de propinas que se situam no grupo das mais elevadas nos países
desenvolvidos; - - taxas comparativamente ainda baixas de frequência entre a população jovem e baixíssimas taxas de participação de cidadãos adultos e de profissionais;
- - falta de investimento no processo de transição para Bolonha,
especialmente no domínio pedagógico; - - envelhecimento da população docente, tendo-se tornado impossível, em muitas áreas, substituir os docentes aposentados, renovar os departamentos e tirar partido de uma nova geração de doutorados;
- - grave situação de bloqueamento das vagas para professor catedrático e associado;
- - ausência de um sistema de avaliação de desempenho profissional compatível com as características únicas desta carreira.
Optou-se, ao invés, por uma estratégia modernizadora de curto prazo, adoptando uma visão funcionalista que insiste na crença ingénua, teórica e empiricamente refutada, de que a “qualificação superior dos recursos humanos” garantirá a nossa “capacidade competitiva na economia mundial”, aumentará o emprego e a competitividade. Através deste pedagogismo de extracção económica e gerencial, em vez de se apostar na elevação do nível de educação superior dos portugueses, de forma estrutural, continuada e sustentada, preferiu-se estreitar o Programa, concedendo protagonismo à formação profissional, a formações curtas, em certos casos de muito duvidosa natureza universitária, insistindo na rapidez dos processos e na pressão quantitativa, de certo modo comparáveis à lógica já adoptada no Programa Novas Oportunidades.
Crê-se que a Universidade do Minho, dificilmente podendo deixar de participar na dinâmica governamentalmente induzida, não pode, por outro lado, aderir acriticamente aos seus objectivos e aos seus modos de acção mais instrumentais, assim se subordinando, eventualmente, a uma agenda de formação técnico-profissional imediatista e sem nível, qualidade e prestígio universitários. À luz dos seus Estatutos, a instituição obriga-se, sempre que intervém, a garantir uma educação universitária, a cuidar da formação cultural, cívica e intelectual, a promover o espírito crítico e uma atitude de inovação e mudança. Isto obriga, em todas as circunstâncias, a articulações criativas entre formação geral e formação técnica, sempre subordinadas a um projecto e a uma intencionalidade educativos que possam conferir sentido a uma formação que, necessariamente, há-de cruzar dimensões de adaptação e dimensões de transformação e que, em qualquer dos casos, não poderá deixar de transcender os objectivos da “qualificação de activos” para que possa aspirar a contribuir, realmente, para o futuro de Portugal.
Por outro lado, a opção por públicos-alvo (novos públicos, por exemplo), por modalidades de frequência (cursos nocturnos, por exemplo), bem como a política seguida quanto ao pagamento de propinas, entre outros aspectos relevantes, acabarão por ditar, em boa parte, os impactos democráticos do Programa, o grau de compromisso social da Universidade, de reforço da igualdade de oportunidades e de justiça educativa.
Nestes termos, entende-se que as limitações típicas da lógica do Programa instituído pelo Governo devem ser objecto de uma reflexão político-educativa muito cuidada por parte da Universidade, de tal forma que seja possível superar as limitações e incongruências apontadas e garantir uma intervenção substantiva, de carácter universitário, compatível com a missão, o projecto educativo, a responsabilidade social e o prestígio da instituição. Como tal, sem concessões que a menorizem e deslegitimem, até mesmo em termos científicos e pedagógicos, e sem aproveitamentos circunstanciais e pragmáticos de que possa vir a ser acusada no futuro, ou que possam vir a ser usados contra si como precedentes, a justificar a generalização de outras medidas especiais, mas que então poderá ver-se forçada a considerar inaceitáveis.
Conselho Geral da Universidade do Minho, 25 de Janeiro de 2010
Licínio C. Lima
Pedro Oliveira
Lúcia Rodrigues
Manuel Pinto
[i] Segundo dados da OCDE (Education at a Glance, 2008), as taxas de graduação no ensino secundário, para o período 1995-2006, foram em Portugal de 53%, contra 82% na UE19, e no ensino superior foram de 33% em Portugal, contra 54% na UE19. Em Portugal continua a verificar-se uma grande desigualdade no acesso ao ensino superior, tendo os filhos de detentores de grau superior 3,2 vezes mais possibilidades de frequentarem o ensino superior, desta feita correspondendo à mais alta selectividade registada em países da OCDE.