29/01/15

Universidade-Fundação: um equívoco e uma imprudência

 “[…] face às incertezas do tempo presente, a uma eventual vitória da tese fundacional no interior do Conselho Geral poderá vir a corresponder uma falta de interlocutor governamental em tempo útil, uma mudança radical dos pressupostos políticos, a simples deslegitimação da figura, hoje sob generalizada suspeita, de fundação, ou a ausência de recursos a afetar, de que resultaria uma situação comprometedora e de grande fragilidade para a Universidade. Uma “vitória” interna da tese fundacional, mas uma “derrota” externa, contextual. Um ato de voluntarismo da Instituição de que pode vir a resultar uma situação desprestigiante ou embaraçosa”.Universidade Cidadã, 25 de abril de 2011
Em finais de janeiro de 2015, é difícil não concluir que aquilo que temíamos em 2011 foi, exatamente, o que veio a ocorrer. E não é difícil imaginar que, em fim de ciclo governativo e com governantes que sempre se manifestaram contra o regime fundacional, mas que agora parecem admiti-lo apenas por incapacidade de procederem à anunciada, mas sempre adiada, alteração do RJIES, tudo pode repetir-se. Tanto mais quanto o contexto atual se revela pouco fiável em termos de políticas públicas, sendo marcado por profundos cortes orçamentais no ensino superior, por processos de avaliação externa controversos, por dispositivos de regulação que, globalmente, têm sitiado a autonomia universitária, com ou sem regime fundacional.
Continuamos a considerar que a figura de “fundação pública com regime de direito privado” constitui uma opção mais ideológica do que pragmática, um equívoco e uma desistência quanto ao aprofundamento da autonomia universitária no seio da Administração Pública, onde se exigia uma evolução consistente do estatuto de Universidade como instituto público, no quadro de uma administração indireta do Estado, para uma administração autónoma, tomando como referencial inspirador o regime das autarquias portuguesas. Ao invés, insiste-se no paradigma da gestão privada e, especialmente, em certas margens de autonomia institucional que podem conceder maior flexibilidade aos gestores de topo, mas que em pouco, ou nada, aproveitarão ao núcleo central da autonomia académica, isto é, à autonomia científica, pedagógica e cultural da Universidade e dos universitários. O recurso ao direito privado é um equívoco liberalizante em tempos de crise e, a seu tempo, não deixará de revelar o seu principal propósito: a flexibilidade e precariedade na contratação do pessoal. No caso dos docentes e investigadores, tal precariedade, que é já atualmente uma realidade bem conhecida de muitos, será ampliada, em oposição ao regime de contratação reforçado pela “tenure”, acessível a poucos.
A introdução de regimes diferenciados nas instituições universitárias, agora muito elogiada por alguns setores, pode, porém, não ficar por aqui. Bem cedo podem surgir novas regras e novas diferenciações, numa lógica competitiva e de divisão do campo institucional do ensino superior, com ou sem a concordância de cada instituição e com impactos profundos e difíceis de antecipar. Mas é igualmente plausível que um novo governo possa, a curto prazo, alterar as regras vigentes e, mesmo, vir a extinguir o regime fundacional. A incerteza é, no presente, a única conclusão que resulta de qualquer exercício indagativo intelectualmente sério.
Descrentes da bondade da Universidade-Fundação e, pelo contrário, conscientes dos equívocos e dos impactos negativos que ela encerra, consideramos, ainda, que a opção por solicitar, neste momento, o início das negociações com o governo tendo em vista a passagem da Universidade do Minho a “fundação pública com regime de direito privado” representa uma decisão temerária e inoportuna, até mesmo para os defensores de tal regime. Em suma, trata-se de uma decisão que, em nosso entender, é imprudente e desadequada e que, caso venha a ter um destino idêntico ao que conheceu a decisão tomada pelo Conselho Geral em 2011, ou a resultar nos impactos negativos para que temos vindo a alertar desde então, não poderá deixar de exigir a assunção de responsabilidades por parte de quem tem a capacidade de iniciativa nesta matéria e insiste nesta solução.
Braga, 26 de janeiro de 2015

Licínio C. Lima/Lúcia Rodrigues/Manuel Pinto/Ana Cunha