25/02/09

Testemunhos (14)
Que presente? Que futuro?

As eleições do próximo dia 2 de Março marcarão o futuro dos próximos anos da Universidade do Minho. Esta frase pode constituir um lugar comum, mas encerra mais consequências do que a usura das campanhas eleitorais permite entrever.
Na verdade são diferentes os modelos de Universidade, dados a escolher pelo voto dos professores e investigadores, que perpassam para além da retórica dos diferentes programas eleitorais – alguns dos quais, é forçoso reconhecer, se empenharam tanto em visitar os lugares aparentemente aproblemáticos dos consensos estabelecidos que nada de si apresentam sequer de fugazmente original. Com efeito, independentemente do mérito académico dos candidatos e do empenhamento cívico que revelam – e um e outro estão distribuídos generosamente em todas as listas – o que nos divide nestas eleições são as perspectivas da Universidade que queremos construir.
A Lista B está genuinamente impossibilitada de falar a uma só voz, porque é atravessada de diferentes orientações sobre o sentido estratégico da acção universitária. O seu pluralismo pode ser uma virtude democrática, mas contém a promessa de uma deambulação errática face aos dilemas com que a vida universitária se confronta. De blogue para blogue, de mensagem para mensagem, tanto se insinuam as virtualidades do RJIES quanto se lamentam os constrangimentos impostos aos Estatutos recém-aprovados, tanto se enunciam as potencialidades do modelo fundacional quanto se exprimem reservas sobre a sua indefinição jurídica, tanto se proclamam as virtudes do respeito colectivo quanto se insinua a torpeza de intenções e se tratam por “canalhas” colegas inominados, tanto se exprime o desejo de uma abertura democrática quanto se reduz a decisão a opções de ordem técnico-gestionária. A incerteza e a imprevisibilidade são a marca de água de um projecto que se funda numa crítica sem programa claro para o futuro.
Em contraponto, com a Lista C a comunidade académica pode ter certezas: os caminhos que traça são bem conhecidos da Universidade. Constituída essencialmente por professores e investigadores que constituíram o suporte da governação da Universidade nos últimos anos, e em linha de continuidade com a lista derrotada nas eleições para a Assembleia Estatutária, o projecto da Lista C confirma as linhas estruturantes do projecto universitário perseguido pela actual Reitoria: uma forte centralização no modelo de governação; centralidade da investigação articulada com o mercado e as entidades empresariais, com subalternização da investigação fundamental e da investigação não patenteável nem susceptível de ser transformada em tecnologia; definição da estratégia universitária como decisão dos órgãos do poder, fora do escrutínio da comunidade académica; qualidade pedagógica entendida como prossecução das “démarches” formais do processo de Bolonha; ausência de compromissos claros sobre transparência, participação e “accountability”.
A Lista A nestas eleições não antecipa o debate que terá lugar nas eleições para Reitor, órgão estatutariamente legitimado para a proposta de estratégica e de gestão. Porém, o seu ideário, inspirado na experiência acumulada da Assembleia Estatutária, afirma-a como a única lista que sustenta um modelo universitário sem qualquer ambiguidade no que recusa e no que defende. Recusa uma “modernização" da instituição universitária assente na separação do ensino e da investigação, na subordinação da investigação ao mercado e na configuração de projectos e recursos em função da competitividade; recusa uma centralização das funções de governação, a subordinação da decisão colectiva a lógicas de gestão e o secretismo na tomada de decisão; recusa estratégias isolacionistas ou paroquiais. Defende uma concepção humboldtiana da universidade como lugar onde se ensina o que se investiga, espaço social de criação de cultura e contexto de produção, debate e disseminação de ideias; defende uma vida nos campi marcada pelo respeito, sem práticas, rituais ou comportamentos marcados pela opressão ou aviltamento dos mais novos ou dos menos poderosos; defende uma mobilização universitária em torno de uma identidade e projectos comuns, com capacidade de resistência a todo o tipo de pressões, só possível em torno da unidade promovida por uma direcção universitária que aposte na participação.
A Lista A conhece bem qual é o sentido hegemónico das políticas universitárias contemporâneas, em boa medida promovidas por instâncias de meta-regulação política internacional. Por isso mesmo, considera primordial que o modelo da universidade seja definido em torno dos valores que elas mais ameaçam: a democracia universitária; a independência face ao poder político e económico; a universalidade do projecto universitário; o compromisso social. Não nos são indiferentes os movimentos de resistência patentes nas mais antigas universidades portuguesas, reconhecemo-nos no mesmo protesto que faz sair ao Boulevard Saint Michel ou ao Campodoglio os colegas franceses e italianos. Eles, como nós, estão a defender um futuro para o passado humanista da universidade. Somos o presente desse futuro.

Manuel Sarmento
Instituto de Educação

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