DEFENDER
A LIBERDADE
E A AUTONOMIA
ACADÉMICAS
EM TEMPOS DE CRISE
1. Razão de uma candidatura, quatro anos depois
Existem hoje motivos de sobra para que uma candidatura crítica, construtiva e pautada pelos valores da cidadania académica se apresente na eleição para o novo Conselho Geral. Os valores do Movimento Universidade Cidadã permanecem (ver aqui: http://bit.ly/WsyeZx), mas o contexto alterou-se substancialmente. A vida da nossa Universidade ficaria mais pobre se não disséssemos presente e se não convocássemos todos para o debate e a ação. Por isso aqui estamos.
O novo modelo organizacional e de governação das Universidades, com os aspetos positivos e negativos que então lhe apontávamos, foi institucionalmente apropriado a partir dos Estatutos da UMinho e das práticas dos seus diferentes órgãos de governo e de gestão, tendo a Instituição iniciado, a vários títulos, uma nova fase de normalização, designadamente em termos de relações entre os órgãos de governo, de prestação de contas, de acesso a informação pertinente e de debate e decisão sobre as linhas de desenvolvimento estratégico, no âmbito do Conselho Geral.
Contribuímos, no nosso nível de intervenção, para a referida normalização institucional e nunca desistimos de procurar incorporar em tais documentos os princípios que defendemos, o que permitiu que a maioria das principais orientações de governo tenha sido aprovada com os nossos votos favoráveis. Prescindir dessa pluralidade de contributos e da respetiva capacidade de concertação significaria um unanimismo empobrecedor da UMinho e do seu Conselho Geral. Mas há ainda muito por fazer, seja naqueles planos seja, também, no que se refere às respostas ao contexto crítico que devemos enfrentar, não por simples adaptação ao meio envolvente, nem através de processos de limitação, ou suspensão, da liberdade académica de professoras/es e investigadoras/es.
Orientámo-nos, ao longo dos últimos quatro anos, segundo o princípio que havíamos anunciado, e que continuamos a manter convictamente: o Conselho Geral não pode ser transformado numa “caixa-de-ressonância do Reitor” nem num “locus de oposição” à ação deste. Por isso continuamos a afirmar, como então, que “é imprescindível que o Conselho coopere intensamente com o Reitor, e vice-versa, no respeito pelas prerrogativas de cada uma das partes e sem prejuízo do pleno uso de todas as competências de ambas”.
Certamente com erros e limitações, procurámos, todavia, levar à prática aquela que foi, e continuará a ser, uma orientação central da Universidade Cidadã: agir “com independência, sentido crítico e responsável, de forma exigente, implicada e simultaneamente solidária para com os outros órgãos da Instituição, tendo o interesse público, a missão, os objetivos, a governação democrática e o prestígio da Universidade do Minho como referenciais inalienáveis”. Não o fizemos, nem o faremos no futuro, contra ninguém, mas somente a favor de um ideal universitário.
Frequentemente, as nossas posições surpreenderam vários observadores, talvez interessados em representar-nos como opositores sistemáticos, embora outras vezes os tenham, manifestamente, desiludido, sempre que tenderam a confundir a nossa lealdade para com o superior interesse da Universidade com cooptação, como se pudéssemos alguma vez abdicar da defesa intransigente da natureza pública da UMinho e da sua governação democrática, única razão que nos tem mobilizado.
Por várias vezes conseguimos fazer aprovar as nossas propostas (como no caso da abertura de, ao menos, uma reunião anual do Conselho Geral). Noutras circunstâncias averbámos insucessos (como no caso da proposta de referendos nas Escolas a propósito da passagem ao regime fundacional e, mais tarde, da votação maioritária que ocorreu a favor daquele regime). Mas nunca esquecemos os nossos compromissos eleitorais (aqui: http://bit.ly/YmMzM7), desde logo mantendo a recusa em patrocinar, ou apoiar, qualquer candidatura a Reitor. Essa decisão, que motivou desconfiança e várias críticas, libertou-nos de constrangimentos vários, reforçou a nossa capacidade de ação autónoma, dispensou-nos de qualquer disciplina de voto, de comportamentos mais ou menos reverenciais e de intervenções de feição panegírica que, pensamos, não aproveitam à Universidade, onde o espírito crítico deve predominar, e nem sequer ao seu Reitor.
A defesa do caráter colegial do Conselho Geral e da sua natureza fiscalizadora; a disponibilidade para o diálogo e a concertação; a preparação sistemática das reuniões; a produção de propostas e moções; a participação ativa nas comissões especializadas e na preparação de documentos; as sessões de debate sobre o regime fundacional realizadas em várias Escolas; a análise detalhada dos principais relatórios, orçamentos e contas, planos de ação; a informação objetiva, através do nosso Blogue, dos mais importantes documentos e declarações de voto que produzimos, representam uma atitude sistemática de responsabilidade para com o mandato que professoras/es e investigadoras/es nos atribuíram, de resto uma exigência face ao lema que escolhemos e que procurámos servir: Universidade Cidadã.
A convicção de que uma presença expressiva do nosso ideário no Conselho Geral continuará a fazer a diferença e de que a garantia de uma participação crítica e ativa por parte da Universidade Cidadã se revelará ainda mais decisiva nos próximos anos, representa a única razão da presente candidatura, a qual continua a não pretender fazer eleger um candidato a Reitor, ou a apoiá-lo incondicionalmente no exercício do seu cargo, ou, ao contrário, a opor-se-lhe sistematicamente.
2. Aprofundar a governação democrática da Universidade
Uma análise dos discursos políticos e legislativos sobre a Universidade pública, tal como dos planos estratégicos e dos temas considerados prioritários pela maioria das instituições, revela um facto perturbante: o aprofundamento da democracia e da participação na governação da Universidade não se apresenta apenas ausente, mas chega, em certos casos, a ser implicitamente representado como um elemento disfuncional, um entrave a uma gestão institucional competitiva e eficiente.
Um líder, um projeto e uma equipa de gestão remetem para uma filosofia que vários setores querem estender às Universidades. De que outra forma poderia o líder prestar contas do seu governo se não escolhe todas as lideranças intermédias, perguntam-se no sentido de obter uma resposta favorável a soluções de nomeação de diretores de unidades orgânicas e de departamentos? É então que emergem as alternativas, consideradas mais racionais, de uma universidade gestionária e empreendedora, cada vez mais independente face ao Estado, tomando como referência o mercado e a empresa privada.
Esta ilusão de uma autonomia assente no mercado, frequentemente confundido com sociedade civil e pretensamente superior em termos de performance competitiva e de racionalidade de gestão, representa não só o abdicar da vocação pública da Universidade e da democratização do seu governo através de formas diversas de participação nos processos de decisão, mas também uma crença ideológica na superioridade da gestão privada e dos valores da competitividade e do crescimento económico ilimitado, exatamente num momento de crise que, com uma intensidade desmesurada e violenta, deixa a descoberto os equívocos daqueles princípios e a sua capacidade de destruição e desumanização.
Uma Universidade pública, democraticamente governada, não diabolizando o mercado, também não pode diabolizar o Estado e a Administração Pública, antes devendo contribuir criticamente para a sua transformação e democratização política e social, para a democratização da educação e do conhecimento, reforçando a intensidade da sua democracia interna através de práticas de participação nos processos de decisão, do exercício da autonomia dos seus membros, abrindo-se à Comunidade através de múltiplas formas de cooperação e de diálogo.
Propomos que a indispensável interação com a Sociedade seja realizada segundo uma perspetiva sociocomunitária que se subordine ao interesse público, rejeitando o estatuto de Universidade governada heteronomamente, seja pelo Estado central e burocraticamente asfixiante, seja pelo mercado e pelos interesses privados, ou seja, ainda, por visões comunitaristas fechadas e por paroquialismos estreitos.
Uma Universidade que se governa democraticamente, e que não é simplesmente governada por outrem, gere um complexo processo de interdependências, reivindicando do Estado os recursos indispensáveis ao cumprimento da sua missão pública, sem prejuízo de parcerias úteis e prestigiantes e da captação de outras fontes de financiamento. Financiamentos e cooperações sempre dependentes de regras claras e de exigentes processos de escrutínio, com a irrecusável garantia de princípios humanistas, de desenvolvimento sustentável, de bem-estar e de solidariedade que, entre outros, se encontram consagrados nos Estatutos da UMinho. Será que temos tido sempre presentes estes princípios?
Trata-se, em suma, de realizar a Missão da Universidade, nunca alienando a “liberdade de pensamento” ou condescendendo com qualquer forma de limitação à “pluralidade dos exercícios críticos”, os quais exigem, necessariamente, o exercício da autonomia académica (científica, pedagógica, cultural). Uma Universidade que se governa de forma participada, nunca enclausurada ou fechada à Sociedade, é, por definição, uma Universidade que exercita o seu autogoverno democrático, a todos os níveis da sua organização e através da prática da autonomia académica, desde logo por parte de professoras/es e investigadoras/es, uma vez que não existem organizações autónomas à margem, ou para além, da autonomia, individual e coletiva, dos seus membros.
Intensificar a governação democrática da Universidade, de forma transversal a toda a organização, e desenvolver a autonomia universitária através da prática efetiva da autonomia científica, pedagógica e cultural por parte de professoras/es e investigadoras/es, são tarefas urgentes e, hoje, de muito mais difícil realização prática do que os enunciados normativos, formalmente em vigor nas instituições, nos podem fazer crer.
3. Para que serve a autonomia?
Palavra quase mágica e por todos disputada, por vezes sob discursos épicos e grandiloquentes, convém que esclareçamos o que entendemos por autonomia, quem a exerce e com que objetivos.
A autonomia é a capacidade de definir a própria lei (nomos) com que nos governamos, a qual, sendo decidida e exercida democraticamente, exige a participação ativa e responsável de todos, certamente em distintos níveis da Instituição, na proposta, no debate e na participação na tomada das decisões. Não podemos prescindir de ninguém, independentemente das diferenças que são a maior riqueza de uma Universidade livre e madura, e não um problema a ser superado.
A autonomia, na Universidade, representa um valor central e indeclinável em termos científicos, pedagógicos e culturais. Por outras palavras, a autonomia académica é o coração da Universidade e só se atinge através do seu exercício efetivo, por intermédio da ação individual e coletiva de professoras/es e investigadoras/es, democraticamente legitimada pela ação dos órgãos competentes em que aqueles participam.
Autonomia não é, portanto, confundível com pura discricionariedade individual e à margem de referenciais partilhados, nem, muito menos, com simples autonomia de gestão (administrativa, financeira, patrimonial, etc.). Esta última é, também, muito relevante para que a Universidade melhor possa cumprir a sua missão e organizar-se autonomamente, dentro dos limites legais, mas é, em qualquer caso, instrumental face ao verdadeiro núcleo da autonomia universitária. É a autonomia de gestão que deve estar ao serviço da autonomia académica, tal como são as estruturas de governação e de gestão que devem servir a missão e os objetivos da Instituição, garantir e apoiar a prática da liberdade e da autonomia científica, pedagógica e cultural.
Inequivocamente favoráveis ao aprofundamento da autonomia organizacional e de gestão que, contudo, não pode ser confundida com independência face ao Estado nem com maior dependência face ao mercado e aos interesses privados, entendemos que a autonomia e a liberdade académicas são as marcas distintivas da Universidade e dos Universitários. A sua autonomia é indispensável ao trabalho académico que desenvolvem, com liberdade de pensamento e de orientação, garantindo a liberdade de ensinar e de aprender, a criatividade, o debate e a crítica, o direito a errar e a corrigir, ou a começar de novo, a publicar resultados que, eventualmente, possam desagradar aos poderes instituídos, quaisquer que estes sejam, incluindo os universitários.
A autonomia académica serve para proteger a liberdade dos académicos e o seu trabalho e é, ao mesmo tempo, reforçada e confirmada pelo uso responsável dessa liberdade, alheia a sobredeterminações consideradas ilegítimas, sendo a maior garantia da educação, da investigação e da cultura plenamente universitárias. Somos, consequentemente, contra as reformas de signo gestionário e tecnocrático que, de resto em distintos países, procuram empresarializar a Universidade, criar novas tecnoestruturas de gestão e de controlo dos académicos, afastando-os da participação na gestão democrática das suas instituições e contribuindo para a sua proletarização. Pelo contrário, uma cultura académica de liberdade e autonomia não só não aceita ser afastada da governação institucional e da participação nos processos de decisão das orientações e das normas que regem a sua ação, mas também não abdica de pensar criticamente, e até de estudar, a Universidade, podendo propor novos modelos de governação, mudanças estruturais, inovações organizacionais.
De idêntico modo, a liberdade académica não pode prescindir de uma ação exigente junto do Estado e das políticas públicas quando, por exemplo, se assiste a uma completa subversão do quadro institucional e de financiamento da investigação, afetando profundamente todos e em especial certas áreas do saber. Neste quadro, o Movimento Universidade Cidadã entende ser necessário que a UMinho se dote de uma estratégia própria e participada no que se refere à investigação científica, condição imprescindível para que possa tornar-se uma universidade de investigação e qualifique cada vez mais o ensino graduado e pós graduado. Tal estratégia deverá promover e salvaguardar sempre os equilíbrios internos e dotar as diferentes áreas científicas, sobretudo as mais carentes, de apoio de qualidade ao esforço de internacionalização, apostando na prospeção e informação sobre novas oportunidades de financiamento.
4. Professoras/es e investigadoras/es, para além do produtivismo e da hiperburocracia
Ao mesmo tempo que muitos defendem a retirada dos académicos das esferas da direção e gestão universitárias, por serem considerados amadores e, pretensamente, para não desperdiçarem os seus talentos e assim poderem ser mais produtivos na educação, investigação e interação com a sociedade, assiste-se a um cada vez maior controlo e a uma regulação burocrática aumentada no desempenho das atividades em que são considerados especialistas. Por outras palavras, incapazes de se governarem, os académicos também não poderiam ser deixados à solta, seja em termos de produtividade e de relevância do seu labor, seja em termos de avaliação e escrutínio sistemáticos das atividades diversas que desempenham.
Este cenário, que será plausivelmente rejeitado, como hiperbólico, pela maioria das autoridades universitárias, emerge com extraordinária força nos discursos e nas ações quotidianas de uma grande parte de professoras/es e investigadoras/es, bastando para isso permanecer atento e estar no terreno.
Os académicos sentem uma intensificação do seu trabalho sem precedentes e, por vezes, até aos limites do esgotamento físico e psicológico.
Essa intensificação resulta não apenas de uma competição desenfreada (e que é politicamente induzida) e da maior diversidade das tarefas que lhes são exigidas. Resulta também de novos instrumentos de vigilância e de controlo informático por parte de uma hiperburocracia capaz de penetrar em todas as áreas da cultura académica e de alterar profundamente o clima de trabalho e de convivência, as relações sociais, a gestão do tempo, a possibilidade de encontro, de diálogo e de cooperação, a solidariedade e a entreajuda, e até a própria identidade profissional. Tudo isso, paradoxalmente, em nome da gestão da qualidade, de uma maior responsabilidade e prestação de contas, da avaliação do desempenho docente que nos haverá de conduzir à melhoria das nossas práticas pedagógicas.
Os “terrores da performatividade”, através dos mais diversos instrumentos de mensuração, bibliométricos e outros, produzem mais hierarquias e são responsáveis por uma competitividade degenerada que proletariza, apouca e menoriza aqueles que, contraditoriamente, a visão gerencialista apresenta como recursos humanos dotados de sofisticadas competências e habilidades economicamente valorizáveis.
Não é, na maioria dos casos, de uma avaliação por pares e de natureza predominantemente formativa que se trata, mas de um poderoso instrumento contábil e de controlo, produtor de conformidades várias segundo padrões em cuja produção, aparentemente, todos participaram, mas que, uma vez em vigor, nos desagradam e motivam queixas por parte de quase todos.
Não são apenas os critérios e as regras, a sua codificação através de plataformas eletrónicas, a generalização de certas categorias mentais inscritas nos programas, aparentemente neutros e apenas técnicos. São ainda as falhas e as omissões, a escassa aposta no caráter amigável das ferramentes, a aprendizagem de instrumentos a que muitos se recusam e que motiva cursos de formação a que outros acedem, raramente com convicção, o tempo dedicado aos processos subitamente transformados em fins, em certos casos, como o da avaliação de desempenho, sem que os pressupostos políticos que foram negociados sejam respeitados e sem que ocorra a respetiva possibilidade de mudança de escalão e de valorização salarial.
Entretanto, as percentagens legalmente estabelecidas para professores catedráticos e associados estão longe de ser atingidas, sendo previsível o seu aumento percentual (muito mais do que o seu número efetivo), a partir do momento em que se concretize o aumento de docentes convidados, até atingirem 20%, tal como se encontra programado. Isto irá necessariamente levar ao aumento da precariedade de alguns, mas não, necessariamente, à qualidade do trabalho científico e pedagógico nas condições de autonomia atrás referidas.
Transformar a Universidade num inferno da racionalidade técnico-instrumental não só parece pouco educativo, e oposto ao ideal pedagógico de uma “educação integral”, como não garante melhores docentes e melhores aulas para os estudantes, nem sequer a generalização de uma investigação e produção científicas de acordo com elevados “padrões”, de resto pouco compatíveis com as pressões produtivistas, a imposição de critérios universais, a falta de tempo para pensar, ler, estudar, discutir, ponderar, experimentar, testar…que associávamos à fabricação taylorizada, mercadorizada, frequentemente baseada no controlo hierárquico do trabalho dos outros e na sua alienação.
Não vale a pena tentar a solução fácil, e usual, de associar estas críticas ao “medo” da avaliação, da exigência e do rigor, da qualidade e da excelência académicas. O que afirmamos é que muitos dos instrumentos que pretendem induzir, facilitar ou promover tal qualidade exigem urgente ponderação e revisão, debate alargado e sem o dogmatismo que, recentemente, pôde ser observado - por exemplo a propósito das vantagens do regime fundacional -, não vá a criatura dominar o seu criador e disseminar a descrença e o desânimo, reduzindo a puros automatismos tarefas que todos cumprem, de que todos se queixam amargamente, a que cada vez reconhecem menos legitimidade e utilidade, quando para além de limites razoáveis e de uma aquiescência já desqualificante e desprestigiante. É o que tem sucedido, de há muito, em variadas organizações, quando certas práticas de “gestão da qualidade total” se assemelham a processos de controlo burocrático on line, baseados na suspeição generalizada sobre os atores sociais, podendo, sob certas condições, evoluir para dispositivos de inspiração mais totalitária do que, apenas, tecnocrática.
Ora numa Universidade Cidadã, assente na liberdade e autonomia académicas, tal não será possível, ao contrário do que sucedeu já, historicamente, em tempos sombrios e em lugares não tão distantes de nós. É, por todas as razões, indispensável atribuir atenção e centralidade a certas matérias no Conselho Geral que, até agora, lhe têm escapado, ao abrigo de uma lógica que as remete para simples atos de gestão, quando, pelo contrário, está em causa muito mais do que isso: a modelagem de um ideal-tipo de novo académico, não através da discussão político-institucional do seu perfil, mas através da seleção de certos meios, regras e processos que, mesmo sem uma intenção definida ou planeada, poderão vir a resultar, perversamente, num universitário subordinado, mais ou menos subtilmente controlado, civicamente anestesiado, inseguro e reverente, temeroso do uso da sua autonomia académica.
A incontornável motivação de professoras/es e investigadoras/es, em tempos de acentuada crise e em contextos organizacionais predominantemente adaptativos, representa hoje um dos grandes problemas, pois sem académicos confiantes, criativos e mobilizados, capazes de correr riscos e de fazer ouvir as suas vozes, não há, simplesmente, verdadeira Universidade.
5. Ser ou não ser fundação
O Conselho Geral promoveu um debate longo, plural e participado, sobre o regime fundacional, a que apenas apontámos como crítica o facto de não ter aceitado a nossa proposta de realização de uma auscultação às Escolas, usando, de resto, a figura estatutariamente prevista da solicitação de pareceres (artigo 28º, nº 6). Não se compreende, aliás, como uma matéria desta relevância possa não ter justificado tal solicitação.
Como então observámos, em termos de processo de decisão, tratou-se de “uma decisão de tipo vanguardista e modernizador, na qual a estrutura a transformar não é verdadeiramente sujeito da sua própria transformação, mas sobretudo objeto de uma transformação operada por outrem, de cima para baixo, menorizando e alienando os atores universitários”. Decisão formalmente democrática e legítima, que aceitámos e temos respeitado, mas de cujo conteúdo continuamos a discordar, foi tomada com base numa preocupante ausência de conceptualização, à margem de uma ideia minimamente densa e articulada de “universidade-fundação”, ao invés daquilo que seria exigível numa Universidade.
Não era, porém, difícil antecipar o que poderia vir a suceder, uma vez solicitada a passagem ao regime fundacional, consoante advertimos um mês antes da votação:
“[…] face às incertezas do tempo presente, a uma eventual vitória da tese fundacional no interior do Conselho Geral poderá vir a corresponder uma falta de interlocutor governamental em tempo útil, uma mudança radical dos pressupostos políticos, a simples deslegitimação da figura, hoje sob generalizada suspeita, de fundação, ou a ausência de recursos a afetar, de que resultaria uma situação comprometedora e de grande fragilidade para a Universidade. Uma “vitória” interna da tese fundacional, mas uma “derrota” externa, contextual. Um ato de voluntarismo da Instituição de que pode vir a resultar uma situação desprestigiante ou embaraçosa” (25 de abril de 2011).
De acordo com a análise que fazemos, é exatamente naquela situação embaraçosa que tem vivido a UMinho ao longo de mais de um ano e meio, sob explicações ineficazes e ofícios não tranquilizantes, com anúncios de revisão da legislação e a apresentação da nova categoria, ainda mais enigmática, de “autonomia reforçada”. Não somos a favor, nem contra, uma nova categoria cujo conteúdo simplesmente se desconhece até este momento, mas conhecemos, agora em detalhe e com os respetivos efeitos no nosso trabalho, os cortes orçamentais que, ano após ano, se repetem em todas as Universidades, incluindo as fundacionais. Nalgumas destas, tem ainda sido possível acompanhar, até pela comunicação social, certas lógicas de transformação institucional que sempre nos pareceram plausíveis no caso das fundações, segundo um certo racional de inspiração empresarial e, consequentemente, vêm sendo tentadas, ou impostas, diversas limitações a processos de gestão e escolha democráticos.
Em contexto de profunda crise, de cortes orçamentais e de uma política de ensino superior que ainda ninguém parece ter conseguido divisar, o entusiasmo pelo regime fundacional parece consideravelmente esbatido atualmente e, em qualquer caso, será matéria que o próximo Conselho Geral não poderá deixar de voltar a analisar. Se eventualmente alterados os pressupostos, designadamente jurídicos, da decisão anteriormente tomada, será então forçoso voltar a ponderar o assunto, confirmando, ou não, a decisão inicialmente tomada, sem o que o referido processo careceria de legitimidade.
Contudo, a menos que uma mudança significativa venha a ocorrer, permanecemos críticos do regime fundacional, mais justificado em termos instrumentais e de autonomia de gestão para o gestor de topo, e como forma mais ágil de contratação e gestão de pessoal sob novas condições e vínculos, do que por razões de substância universitária.
O eventual reforço da autonomia de gestão não só não é certo que venha a ocorrer como, mesmo ocorrendo, não é plausível que venha a ser democraticamente distribuído pelas estruturas académicas, especialmente numa Universidade que permanece muito centralizada em termos de poder de decisão e onde, apesar das promessas descentralizadoras, as Escolas não conseguem romper com a sua tradicional e exagerada dependência face ao Reitor.
Talvez a autonomia relativa das Escolas esteja mesmo a sofrer um processo de erosão em várias áreas da sua intervenção, devido a distintas razões que urge estudar e debater, com destaque para os efeitos de um possível desmantelamento do Estado Social e de uma austeridade que se revela quase sempre centralizadora em termos da tomada de muitas decisões. Decisões com impactos orçamentais e outros, incluindo as condições de acesso e de permanência dos estudantes, designadamente através do sistemático aumento das propinas e do correlativo processo de desresponsabilização do Estado. Num tempo de crise, em que novos aumentos das propinas são propostos, é incontornável saber como vai a UMinho reagir em termos de solidariedade e de responsabilidade social para com os estudantes e a Comunidade.
Também por aquelas razões duvidamos das soluções, fundacionais e outras, que são justificadas pela sua maior capacidade de adaptação às contingências de um ambiente que é sempre visto como externo e para além das capacidades de intervenção e de mudança das instituições universitárias, individualmente e coletivamente consideradas. Uma certa adaptação, mais ou menos isomórfica, da Universidade ao ambiente turbulento e ameaçador em que se insere, conduziria pretensamente a um maior sucesso, esquecendo que a Universidade também faz parte desse ambiente. Ela é, ainda, uma das instituições com mais recursos em termos simbólicos, de prestígio social, de conhecimento e de influência, dotada de importantes meios para rejeitar uma simples estratégia adaptativa, uma ilusória “melhor forma” de gerir a crise, desistindo da sua vocação crítica e de diagnóstico da sociedade e da economia, das suas capacidades cognitivas e obrigações ético-políticas para com a Comunidade, no sentido de afrontar criativamente a crise e de, responsavelmente, contribuir para a sua superação.
Ninguém ignora as dificuldades de realização de uma vocação crítica e de uma agenda que possa contribuir para a transformação social, mas se isso não fosse assumido e tentado, para que serviria afinal uma Universidade, qual o seu papel na promoção do bem comum e na “construção de um modelo de sociedade baseado em princípios humanistas que tenha o saber, a criatividade e a inovação como fatores de crescimento, desenvolvimento sustentável, bem-estar e solidariedade”, conforme nos comprometemos no artigo 2º dos Estatutos da UMinho?
6. Um novo Conselho Geral
Na sequência do presente processo eleitoral, um novo Conselho Geral será constituído, certamente beneficiando dos múltiplos aspetos positivos e das aprendizagens realizadas ao longo dos últimos quatro anos, procurando ultrapassar certas limitações, reforçar a sua ação e melhorar o seu funcionamento.
A experiência que adquirimos permite-nos concluir que as reuniões plenárias podem ser mais ágeis e proveitosas se mais baseadas em informação remetida com maior antecedência aos membros do Conselho, tal como em trabalho prévio das comissões especializadas, sem dúvida um dos elementos mais positivos da organização do Conselho Geral. Isso permitirá intervenções mais fundamentadas e um debate mais intenso e profícuo, em certos casos.
É ainda relevante que o Conselho planeie melhor a sua agenda e disponha de mais tempo para se debruçar sobre temas não determinados pela agenda reitoral, a qual sendo incontornável não deve, porém, limitar a iniciativa do Conselho nem a sua capacidade de acompanhar os diversos atos de gestão, para o que necessita de dispor de mais informação pertinente e sistemática.
De igual modo, a informação disponibilizada pelo Conselho à Academia deve garantir comunicados mais detalhados quanto às questões substantivas, sem prejuízo do acesso público às atas, que já ocorre atualmente, mas naturalmente de forma consideravelmente diferida no tempo.
Somos ainda favoráveis ao reforço da autonomia de funcionamento do órgão, seja em termos das suas iniciativas próprias, seja também em termos da sua natureza colegial, segundo os preceitos estatutários, evitando quer a “reitorialização” da sua agenda, quer a sua “presidencialização”.
É imprescindível que o Conselho assuma deliberações ou posições claras antes de serem, eventualmente, divulgadas ou assumidas pelo seu Presidente, de quem se espera uma exposição pública altamente prestigiada e sempre respaldada pelo Conselho, sem naturalmente interferir com as funções de representação da Universidade, que cabem ao Reitor.
Também o apoio técnico deve ser reforçado, especialmente em matérias de assessoria jurídica que exigem total independência dos correspondentes serviços da Universidade que dependem hierarquicamente do Reitor ou da sua equipa.
O diálogo com as Unidades Orgânicas de Ensino e de Investigação, designadamente através de reuniões específicas com a presença dos seus responsáveis, conforme já ocorreu episodicamente, deve ser reforçado, tal como deve ser incentivada a presença da Academia na reunião anual aberta, através de agendas substantivas e que possam admitir um período para intervenções. De contrário, o Conselho permanecerá um órgão distante e pouco conhecido da Academia.
No que se refere à cooptação dos membros externos, a experiência revelou quão relevante é a participação de personalidades de manifesto prestígio e com visões diversas, baseadas nas suas biografias de natureza pessoal e profissional. Introduzindo no Conselho um olhar mais descentrado do quotidiano académico e dos problemas imediatos, questionando o que é frequentemente tomado como natural, ou óbvio, por parte dos atores universitários, representam ainda valores, exigências e expectativas que a Sociedade, pluralmente, concentra em torno das Universidades. Por estas razões entendemos que a concertação em torno da escolha das personalidades externas é crucial e que o seu contributo será tão mais relevante quanto ao seu prestígio e experiência de vida formos capazes de associar a diversidade geracional e de género, das suas inscrições e das suas visões do mundo. Entre outros, os setores sociais e associativos, tal como o mundo do trabalho, representam áreas que entendemos não poderem continuar a ficar de fora da aludida riqueza e pluralidade de atores externos, sob risco de uma conceção pouco plural, e até pouco complexa e contraditória, de Sociedade.
Quanto às relações com os diferentes corpos e membros do Conselho Geral, procuraremos aprofundar as relações de diálogo e de trabalho conjunto, sem prejuízo das diferenças identitárias de cada um, esperando recíproco tratamento, de tal forma que seja possível, mais do que no passado, evitar fechamentos e intransigências que impedem, por vezes, uma atitude negocial que seria mais consentânea com a natureza do órgão e, sobretudo, com os interesses da Universidade. Não se pode elogiar e praticar a concertação apenas quando esta é favorável para uma das partes e, no limite, recorrer à força dos números, especialmente estáveis por parte de representantes que nunca, ou raramente, se revelam abertos a aproximações de pontos de vista com outros. Também no Conselho Geral as práticas democráticas não devem ser confundidas com a “ditadura” da maioria, seja ela qual for.
A questão antes referida virá, muito provavelmente, ainda mais a propósito da plausível revisão estatutária que ocorrerá nos próximos tempos, seja por força das anunciadas alterações jurídicas ao RJIES seja, especialmente, motivadas pela experiência da UMinho ao longo dos últimos quatro anos. A este propósito, manifestamos os princípios e as convicções de sempre, alguns desacordos que foram já enunciados nos tempos da Assembleia Estatutária em que participámos ativamente, mas igualmente a abertura para procurar soluções consensuais e que favoreçam a Instituição e o seu funcionamento. Revisitar e ponderar o reforço da autonomia das Unidades Orgânicas de Ensino e de Investigação, a composição e a lógica de funcionamento do Senado Académico, o processo de apresentação de proposituras para eleição do Provedor do Estudante, introduzir processos que garantam uma informação sistemática e atempada do Conselho Geral sobre todas as decisões do Conselho de Gestão, são alguns exemplos.
Finalmente, continuamos favoráveis a uma maior participação das diversas unidades e dos vários órgãos junto do Conselho Geral, sobretudo por iniciativa deste, designadamente através da proposta de auscultação e da solicitação de estudos e pareceres, algo que quase nunca ocorreu no passado. Entendemos que esta falta representa um certo menosprezo quer pelas legítimas preocupações, pontos de vista e propostas que podem interessar ao Conselho, quer um manifesto não aproveitamento dos conhecimentos e das capacidades técnicas que a Universidade pode colocar à disposição do Conselho Geral em termos de informação que lhe permita tomar melhores decisões.
Democracia e participação, rigor e transparência na gestão, exigência e solidariedade, publicidade dos seus atos, defesa do interesse público, promoção do prestígio da Universidade, abertura à Sociedade, são alguns dos mais relevantes princípios que integram a carta de valores que defenderemos e que justificam a presença dos eleitos do Movimento Universidade Cidadã no Conselho Geral da Universidade do Minho.
Pela pluralidade de opiniões
Pela democraticidade dos processos e da tomada de decisão,
Pela dignificação da profissão docente universitária,
Por uma Universidade educadora e produtora de conhecimento de qualidade,
Por uma Universidade Cidadã.