25/01/11

REFORÇO E AUTONOMIA FINANCEIRA DAS FUNDAÇÕES: DAS ILUSÕES À REALIDADE

Quando a "primeira vaga" de Fundações apareceu, comentava-se que iriam ser beneficiadas e iriam ter um reforço financeiro, dado que o Governo estava apostado neste novo regime jurídico. Hoje sabe-se que tal ideia não passa de uma ilusão: vejam-se as declarações de Luís Reto, Reitor do ISCTE, em depoimento ao Sr. Reitor da UMinho: "Quanto à dotação suplementar prevista na lei e contratualizada com as instituições que optaram por este novo estatuto jurídico é hoje impossível saber se ela se concretizará no quadro actual de crise financeira do país". Na verdade, tal como o Reitor do ISCTE assinala, o momento de crise que o país atravessa não é favorável ao estabelecimento de contratos com o Governo e a nossa Universidade não podia escolher momento pior para ponderar a alteração do seu estatuto jurídico.
Quando se lê o documento do Sr. Reitor da UMinho à Academia, verifica-se que os argumentos usados para justificar a mudança se baseiam muito numa possível autonomia financeira e independência de gestão relativamente ao Estado. Entre aquilo que o Sr. Reitor deseja e a realidade vai um grande passo, que convém ajuizar em todas as dimensões. Assim, é afirmado: "Em termos contabilísticos, a Universidade poderá ter práticas mais simplificadas, uma vez que está dispensada da obrigatoriedade de utilização da contabilidade pública, bem como da obediência ao princípio da Unidade de Tesouraria". Esta ideia não é rigorosa. Com efeito, as Fundações continuam a usar a contabilidade pública (veja-se no Anexo I excertos dos Relatórios e Contas das três Fundações, onde está claramente expresso o uso do POC–Educação) e estão sujeitas à disciplina do Tribunal de Contas. A este respeito, o relatório recente do Tribunal de Contas, relativo ao princípio da unidade de tesouraria nas entidades públicas empresariais, declara que "em 2010 a situação de incumprimento da unidade de tesouraria passou a integrar as situações susceptíveis de demissão dos gestores públicos, por força do disposto no n.º 3 do artigo 63.º da Lei do Orçamento do Estado, sem prejuízo também de eventual responsabilidade financeira".

O que poderá acontecer, caso tenha 50% de receitas próprias, é a UMinho sair da contabilidade nacional, ou seja, passar a ser considerada uma entidade mercantil, sair das regras da contabilidade nacional e do controlo do Estado para efeitos do défice e das dívidas das administrações públicas (o documento que regula o cálculo do défice e da dívida dos Estados membros é o SEC 95(1)). A decisão do que é uma entidade mercantil (vide SEC 95) depende da verificação do critério de a Universidade deter mais de 50% de receitas próprias. Na definição destas receitas próprias apenas devem ser considerados, nos termos do SEC 95, os financiamentos "pelas famílias, pelos empregadores e por empresas de seguro privadas", ou seja, deverão apenas ser consideradas as receitas resultantes de propinas, filantropia e prestação de serviços à comunidade. A manutenção desta percentagem ao longo do tempo é importante. Chama-se a atenção para o facto de que no último relatório e contas da UMinho as Transferências e Subsídios Correntes do Estado eram de 92.734.838,27 €, constituindo 68% dos proveitos, o que significa que as receitas próprias rondavam, no final de 2009, os 32%. Mesmo com a ajuda dos cortes salariais, só com um aumento contínuo das propinas (que já se concretizou este ano), as receitas próprias atingirão o valor de 50%. Esta exigência é clara e está plasmada nos decretos-lei que instituem as três fundações já existentes (ISCTE, Universidade do Porto e Universidade de Aveiro) que dizem, ipsis verbis, que as três Fundações têm um montante de receitas próprias superior a 50% (ver Anexo II, onde se mostram os excertos dos DR 1ª série, nº 81, de 27 de Abril de 2009, Decretos-Lei nº 95, 96 e 97, de 2009).
Afirma o Sr. Reitor que "a alienação, dos bens patrimoniais da Universidade[…] é uma vantagem efectiva para a Universidade do Minho, tendo em conta o seu património imobiliário e a necessidade de o valorizar face a novas realidades resultantes do desenvolvimento da Instituição". Ora, a possibilidade de venda de património existe hoje (ver art. 109º do RJIES, bastando para isso o parecer positivo do Ministro da tutela e do Ministro das Finanças). Por outro lado, a transmissão onerosa de património nas fundações está, felizmente, sujeita a regras precisas nos decretos acima mencionados, nomeadamente impondo que a totalidade do valor de venda seja aplicada em outros investimentos que passem a integrar o seu activo de longa duração, sendo que o reinvestimento do valor de venda tem de ser concluído até ao fim do terceiro ano após a venda (ver Anexo III). No entanto, estas cautelas não evitam a possibilidade de venda de património cultural que faz parte actualmente do activo tangível, intangível e simbólico da Universidade do Minho.

Nesta senda, o Sr. Reitor declara que "as universidades públicas de regime fundacional têm a possibilidade de contrair empréstimos, nomeadamente para financiarem investimentos ou projectos de investigação". Os mesmos decretos que legislam a passagem ao regime fundacional das três fundações existentes fixam (felizmente) regras muito exigentes para os limites de endividamento das fundações (ver Anexo IV). Também de acordo com a literatura na área financeira, as vantagens do endividamento são diminutas quando as empresas estão isentas parcialmente de IRC (ver Anexo V), dado que eliminam a vantagem associada ao efeito benéfico de redução de imposto (como a Universidade não paga IRC, a redução na matéria colectável que os juros provocam não tem qualquer interesse). Sendo evidente que o endividamento acarreta um maior risco financeiro, daí decorrem as regras muito exigentes fixadas nos referidos decretos de criação das fundações. Importa aqui ter presente os efeitos nefastos do endividamento, já que este pode levar a dificuldades em solver as dívidas a médio e longo prazo (basta ver os problemas que o país e os Portugueses atravessam por efeito do excessivo endividamento).

Em vez de nos agarrarmos a ilusões, a questão fundamental é a de saber que Universidade queremos. Provavelmente, todos dirão que querem uma Universidade de excelência, a funcionar bem, uma Universidade onde todos os seus stakeholders se sintam bem. E é isso que temos? O novo estatuto jurídico vai-nos ajudar a resolver os nossos problemas? Ou este novo estatuto jurídico está-nos a ser apresentado como mais uma ilusão, uma panaceia que nos resolveria todos os problemas?

As opções de gestão que configuram a possibilidade de endividamento e de alienação de património podem ser determinantes para a UMinho e moldar todo o seu futuro desenvolvimento. Já que o Sr. Reitor as realça como fundamentais, parecendo até já ter ideias assentes sobre estas matérias, seria bom que esclarecesse a academia sobre que património pretende alienar, que empréstimos pretende contrair e, sobretudo, para que fins consentâneos com a missão da Universidade.

No entanto, a passagem a fundação não é meramente uma questão de mudança de quadro gestionário da Universidade mas uma questão de democracia, de participação e de transparência. Quem responde perante quem? Deve a academia sujeitar-se aos ditames da gestão ou deve a gestão responder perante a academia? No essencial, é o modelo de Universidade que queremos que está em causa: uma Universidade dominada por uma ideia e uma estrutura gestionária, tecnocrática, cujos responsáveis respondem perante um Conselho de Curadores que pouco sabe da academia e do seu sentir, ou uma Universidade como comunidade de cidadãos e de saberes, onde a participação e a democracia são um eixo fundamental da sua vivência, em que a gestão existe para servir essa mesma comunidade?

Anexo I - Aplicação do POC Educação a todas as fundações (excertos dos Relatórios e Contas de 2009, primeiro exercício económico como Fundações)
―A Universidade de Aveiro levou a efeito os estudos necessários para o desenho e construção do programa informático de suporte à contabilidade analítica, cuja implementação obedece aos requisitos previstos no POC-Educação, aprovado pela Portaria nº 794/2000, de 20 de Setembro.‖
ISCTE
―As referidas demonstrações foram elaboradas segundo os princípios contabilísticos definidos no Plano Oficial de Contabilidade Pública para o sector da Educação (POC – Educação), aprovado pela Portaria nº 794/2000 de 20 de Setembro.‖
―Na sequência da avaliação dos terrenos e edifícios da U.Porto, e nos termos do POC — Educação, quando um bem é adquirido ou possuído por uma ―entidade-mãe‖ com a finalidade de ser afecto, de forma permanente, a uma entidade do grupo com estatuto de direito público, o bem deverá ser inscrito no património desta, sem prejuízo da propriedade jurídica se manter na ―entidade-mãe’‖.

Anexo II
Diário da República, 1.ª série — N.º 81 — 27 de Abril de 2009
Decreto-Lei n.º 95/2009 ISCTE
Decreto-Lei n.º 96/2009 Porto
Decreto-Lei n.º 97/2009 Aveiro
―A análise dos documentos apresentados pela Universidade do Porto mostrou estarem satisfeitas as condições fixadas pela lei e assegurado, no seu universo consolidado, um montante de receitas próprias superior a 50 % do total da receita.‖
―A análise dos documentos apresentados pela Universidade de Aveiro mostrou estarem satisfeitas as condições fixadas pela lei e assegurado, no seu universo consolidado, um montante de receitas próprias superior a 50 % do total da receita.‖
―A análise dos documentos apresentados pelo ISCTE mostrou estarem satisfeitas as condições fixadas pela lei e assegurado, no seu universo consolidado, um montante de receitas próprias superior a 50 % do total da receita.

Anexo III
Artigo 8.º
Transmissão onerosa de imóveis
1 — A Universidade do Porto tem capacidade para transmitir imóveis a título oneroso, nos termos dos seus Estatutos, sempre que a totalidade do valor de realização seja aplicada em outros investimentos que passem a integrar o seu activo imobilizado no prazo referido no n.º 3.
2 — A decisão da transmissão onerosa apenas pode ser tomada quando exista um plano de investimento em activos imobilizados necessários à actividade da Universidade do Porto, devidamente aprovado pelos seus órgãos próprios, e quando o montante global de investimento seja comprovadamente igual ou superior ao valor presumível de realização.
3 — O reinvestimento do valor de realização em outros elementos do activo imobilizado constantes do plano de investimento tem de ser concluído até ao fim do terceiro exercício económico seguinte ao da realização da transmissão
onerosa.

Anexo IV
Artigo 7.º
Endividamento
1 — O montante do endividamento líquido total da Universidade do Porto, em 31 de Dezembro de cada ano, tem de respeitar, cumulativamente, os seguintes limites:
a) Garantia de um grau de autonomia financeira de 75 %, sendo este definido pelo rácio fundo social/activo líquido;
b) Quádruplo do valor do cash -flow, sendo este definido pelo cômputo da adição dos resultados líquidos com as amortizações e as provisões/ajustamentos do exercício;
c) Para efeitos da determinação dos limites referidos nas alíneas a) e b), as grandezas contabilísticas dizem respeito ao último exercício económico para o qual estejam disponíveis demonstrações financeiras consolidadas devidamente certificadas pelo fiscal único.
2 — A capacidade de endividamento estabelecida nos termos dos limites anteriores destina -se a ser utilizada no financiamento de actividades de investimento, podendo ser utilizada, excepcionalmente, até um máximo de 5 %, para o financiamento da actividade de exploração.
3 — Para efeitos de aplicação do limite definido no n.º 1, por endividamento líquido total da Universidade do Porto entende -se os valores passivos, de curto ou de médio e longo prazo, relativos a empréstimos contraídos e a contratos de locação financeira, deduzidos dos financiamentos bancários garantidos por créditos relativos a projectos aprovados e financiados por diversas entidades, nomeadamente pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento
Regional (FEDER).
4 — A Universidade do Porto pode ainda, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 115.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, ser autorizada a contrair empréstimos para além do limite a que se refere o n.º 1.
Anexo V (excertos dos Relatórios e Contas, 2009)
3.8 Enquadramento fiscal
O ISCTE-IUL é uma entidade que goza de isenção parcial do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas IRC, uma vez que se encontra sujeita a este imposto apenas por via da retenção na fonte relativamente aos seus rendimentos de aplicação de capitais. O ISCTE – IUL não está obrigado a entregar a declaração anual de rendimentos.
k) Enquadramento fiscal
De acordo com o disposto na alínea a) do n° 1 e no n° 2 do artigo 9° do Código sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, a U.Porto goza de isenção parcial de IRC, uma vez que a referida isenção não compreende os rendimentos de capitais, tal como são definidos para efeitos de IRS.
3.8 Enquadramento fiscal
A Universidade é uma entidade que goza de isenção parcial do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas IRC, uma vez que se encontra sujeita a este imposto apenas por via da retenção na fonte relativamente aos seus rendimentos de aplicação de capitais. A Universidade não está obrigada a entregar a declaração anual de rendimentos.

Universidade Cidadã
2011.01.25

(1) “Manual do SEC 95 sobre o défice e a dívida das administrações públicas” http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-42-02-585/PT/KS-42-02-585-PT.PDF

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