Como é do conhecimento público, o Conselho Geral da Universidade do Minho pronunciou-se hoje, por 12 votos a favor e 8 contra, relativamente à passagem da UM para o regime fundacional, o que, a ir avante, significa que ela se tornará uma Fundação pública regida pelo direito privado. Os docentes eleitos pelo Movimento da Universidade Cidadã presentes na reunão pronunciaram-se contra esta proposta apresentada pelo Reitor e entregaram, para registo que será anexo à Ata, uma declaração de voto de teor seguinte:
O voto contra a aprovação dos Estatutos da Fundação Universidade do Minho, apreciados em reunião extraordinária do Conselho Geral do dia 7 de setembro de 2015, não decorre apenas de uma questão de coerência face à oposição de fundo quanto à figura de “fundação pública com regime de direito privado”, expressa repetidas vezes desde 2007 e alicerçada em documentos e argumentos que foram tornados públicos desde então. Releva, também, do processo contraditório que marcou as relações entre o XIX Governo e a Universidade do Minho, relegando esta instituição para plano subalterno face à sua decisão, de há quatro anos atrás, de requerer o estatuto fundacional, para, de súbito, nos últimas dias do seu mandato, em pleno período eleitoral, pretender o Governo retomar o processo e aprovar o respetivo Decreto-Lei em Conselho de Ministros, deste feita contrariando, sem qualquer justificação conhecida, a sua posição contrária ao regime fundacional.
A questão processual encerra dois problemas maiores: em primeiro lugar o momento concreto da deliberação em termos de calendário político, já em período eleitoral, dando azo a leituras que podem apoucar a Universidade do Minho em termos democráticos e de autonomia face ao governo; em segundo lugar, o facto de, após o normal período de férias, vir a comunidade académica a ser confrontada com uma decisão desta relevância, sem que tenha podido minimamente acompanhar o decurso das negociações e ser esclarecida sobre os contornos precisos que ela implica.
Mais importante, porém, é o facto de o texto dos Estatutos da Fundação Universidade do Minho, em decorrência da Lei nº. 62/2007, de 10 de setembro, consagrar uma transformação institucional com contornos considerados negativos e que, entres outros elementos, implica o seguinte:
- A criação de uma nova entidade – a Fundação Universidade do Minho – que mediará as relações entre o Estado e o Estabelecimento de Ensino Universidade do Minho, colocada acima deste, encimando a estrutura de governo da Universidade do Minho através da ação do Conselho de Curadores e do Fiscal Único, novos órgãos nomeados pelo governo sob proposta do Conselho Geral, no primeiro caso, e do Reitor no caso do segundo órgão, este último de natureza unipessoal e pertencente à Fundação.
- A transferência do património da atual Universidade do Minho para a Fundação Universidade do Minho, passando tal fundação e seus respetivos órgãos a ser titulares da gestão económica e patrimonial, a qual é retirada à Universidade do Minho-Estabelecimento de Ensino eaos seus órgãos, desde logo ao Conselho Geral, cabendo a estes a gestão académica.
- A atual Universidade do Minho passará, assim, da condição de instituto público dotado de autonomia jurídica, à condição de um estabelecimento de ensino pertencente à Fundação Universidade do Minho, razão pela qual esta nova realidade dual é formalizada através da existência de dois estatutos: os Estatutos da Fundação Universidade do Minho e os Estatutos do Estabelecimento de Ensino Universidade do Minho, passando os primeiros, após a fase de criação, a ser da exclusiva responsabilidade do Conselho de Curadores e aprovados pelo governo, ao passo que os segundos serão da iniciativa do Conselho Geral, mas agora aprovados pelo Conselho de Curadores da Fundação.
- Embora propostos ao Governo pelo Conselho Geral para respetivo ato de nomeação, podendo aquele recusar, o Conselho de Curadores, enquanto órgão máximo da Universidade do Minho, constituído por cinco personalidades, apresenta, contraditoriamente, uma legitimidade e uma representatividade democráticas muito inferiores àquelas que caracterizam o Conselho Geral.
- O Conselho Geral perderá centralidade, seja no que se refere à perda de competências relativas à alienação de património e ao recurso ao crédito, pois estas passam a caber ao Conselho de Curadores, seja ainda pelo facto de as deliberações do Conselho Geral relativas à gestão económica, financeira e orçamental passarem a carecer de homologação por parte do Conselho de Curadores, tal como, de resto, várias outras competência do Conselho Geral que, atualmente, não exigem a homologação por parte da tutela, mas passarão a exigi-la, doravante, por parte do Conselho de Curadores.
- O recurso ao Direito Privado para efeitos de contratação de pessoal e, até, dentro de certas condições, para o estabelecimento de carreiras próprias, a par da gestão patrimonial, económica e financeira, contratos de aquisição e locação de bens e serviços, numa situação de maior autonomia e flexibilidade de gestão para os gestores de topo que, no entanto, não deixará de acarretar profundas alterações em termos de vínculos laborais para os futuros contratados e implicações no domínio,mais substantivo, da autonomia académica, o verdadeiro núcleo da autonomia universitária.
- Uma maior independência face ao Estado e à carta de deveres constitucionais que lhe cabem, designadamente em termos de financiamento público, conduzindo previsivelmente a Universidade a uma maior dependência face a interesses privados, ao mundo dos negócios e ao universo mercantil, com todas as consequências que se conhecem já e que comportam riscos acrescidos para certos domínios do saber.
- Finalmente, constata-se que, em contraste com os decretos de criação das atuais Universidades fundacionais, o financiamento da Universidade do Minho não é definido por contratos plurianuais, de duração não inferior a três anos, o que, não obstante estar formalmente previsto, não ocorrerá efetivamente e desde logo a partir do processo legislativo, mesmo sabendo-se que o Governo não cumpriu os contratos plurianuais que firmou com as três fundações já criadas.
A criação de uma nova figura – a Fundação Universidade do Minho, fundação pública com regime de direito privado –, representa a adoção de um estatuto hibrido e mal definido que: altera e hierarquiza o modelo de governo da universidade; separa os académicos, e outros membros da Universidade, do locus privilegiado da governação económica, financeira e patrimonial; subordina o Estabelecimento de Ensino Universidade do Minho à Fundação Universidade do Minho; cria o Conselho de Curadores, órgão máximo mas de legitimidade democrática mínima; não resolve nenhum problema quanto à situação de subfinanciamento da instituição; admite algumas regras de gestão mais flexíveis mas, simultaneamente, coloca maior pressão quanto à captação de verbas próprias como forma de compensar a erosão do papel do Estado; permite uma gestão de pessoal considerada mais racional e flexível, sabendo-se, historicamente, o que isso significa e quais os impactos que poderá ter numa instituição em que a liberdade de pensamento, o inconformismo, a criatividade, o direito a errar e a experimentar, tal como a sua multissecular vocação crítica e de afrontamento de todos os poderes, representam a razão maior da sua existência e permanência ao longo da história.
A aprovação destes Estatutos representa, por todas as razões apontadas e, certamente,por outras que a seu tempo ficarão claras para todos, uma das mais infelizes decisões na história de uma Universidade que nos tem dado tantos testemunhos de criatividade e de não opção pelos caminhos mais simples, bem como tantas razões de orgulho pelas suas realizações.
Braga, Conselho Geral da Universidade do Minho, 7 de setembro de 2015
Licínio Lima |
Manuel Pinto |
Ana Cunha