07/09/15

Regime fundacional: declaração de voto


Como é do conhecimento público, o Conselho Geral da Universidade do Minho pronunciou-se hoje, por 12 votos a favor e 8 contra, relativamente à passagem da UM para o regime fundacional, o que, a ir avante, significa que ela se tornará uma Fundação pública regida pelo direito privado. Os docentes eleitos pelo Movimento da Universidade Cidadã presentes na reunão pronunciaram-se contra esta proposta apresentada pelo Reitor e entregaram, para registo que será anexo à Ata, uma declaração de voto de teor seguinte:
O voto contra a aprovação dos Estatutos da Fundação Universidade do Minho, apreciados em reunião extraordinária do Conselho Geral do dia 7 de setembro de 2015, não decorre apenas de uma questão de coerência face à oposição de fundo quanto à figura de “fundação pública com regime de direito privado”, expressa repetidas vezes desde 2007 e alicerçada em documentos e argumentos que foram tornados públicos desde então. Releva, também, do processo contraditório que marcou as relações entre o XIX Governo e a Universidade do Minho, relegando esta instituição para plano subalterno face à sua decisão, de há quatro anos atrás, de requerer o estatuto fundacional, para, de súbito, nos últimas dias do seu mandato, em pleno período eleitoral, pretender o Governo retomar o processo e aprovar o respetivo Decreto-Lei em Conselho de Ministros, deste feita contrariando, sem qualquer justificação conhecida, a sua posição contrária ao regime fundacional.
A questão processual encerra dois problemas maiores: em primeiro lugar o momento concreto da deliberação em termos de calendário político, já em período eleitoral, dando azo a leituras que podem apoucar a Universidade do Minho em termos democráticos e de autonomia face ao governo; em segundo lugar, o facto de, após o normal período de férias, vir a comunidade académica a ser confrontada com uma decisão desta relevância, sem que tenha podido minimamente acompanhar o decurso das negociações e ser esclarecida sobre os contornos precisos que ela implica. 
Mais importante, porém, é o facto de o texto dos Estatutos da Fundação Universidade do Minho, em decorrência da Lei nº. 62/2007, de 10 de setembro, consagrar uma transformação institucional com contornos considerados negativos e que, entres outros elementos, implica o seguinte:

  1. A criação de uma nova entidade – a Fundação Universidade do Minho – que mediará as relações entre o Estado e o Estabelecimento de Ensino Universidade do Minho, colocada acima deste, encimando a estrutura de governo da Universidade do Minho através da ação do Conselho de Curadores e do Fiscal Único, novos órgãos nomeados pelo governo sob proposta do Conselho Geral, no primeiro caso, e do Reitor no caso do segundo órgão, este último de natureza unipessoal e pertencente à Fundação. 
  2. A transferência do património da atual Universidade do Minho para a Fundação Universidade do Minho, passando tal fundação e seus respetivos órgãos a ser titulares da gestão económica e patrimonial, a qual é retirada à Universidade do Minho-Estabelecimento de Ensino eaos seus órgãos, desde logo ao Conselho Geral, cabendo a estes a gestão académica. 
  3. A atual Universidade do Minho passará, assim, da condição de instituto público dotado de autonomia jurídica, à condição de um estabelecimento de ensino pertencente à Fundação Universidade do Minho, razão pela qual esta nova realidade dual é formalizada através da existência de dois estatutos: os Estatutos da Fundação Universidade do Minho e os Estatutos do Estabelecimento de Ensino Universidade do Minho, passando os primeiros, após a fase de criação, a ser da exclusiva responsabilidade do Conselho de Curadores e aprovados pelo governo, ao passo que os segundos serão da iniciativa do Conselho Geral, mas agora aprovados pelo Conselho de Curadores da Fundação. 
  4. Embora propostos ao Governo pelo Conselho Geral para respetivo ato de nomeação, podendo aquele recusar, o Conselho de Curadores, enquanto órgão máximo da Universidade do Minho, constituído por cinco personalidades, apresenta, contraditoriamente, uma legitimidade e uma representatividade democráticas muito inferiores àquelas que caracterizam o Conselho Geral. 
  5. O Conselho Geral perderá centralidade, seja no que se refere à perda de competências relativas à alienação de património e ao recurso ao crédito, pois estas passam a caber ao Conselho de Curadores, seja ainda pelo facto de as deliberações do Conselho Geral relativas à gestão económica, financeira e orçamental passarem a carecer de homologação por parte do Conselho de Curadores, tal como, de resto, várias outras competência do Conselho Geral que, atualmente, não exigem a homologação por parte da tutela, mas passarão a exigi-la, doravante, por parte do Conselho de Curadores. 
  6. O recurso ao Direito Privado para efeitos de contratação de pessoal e, até, dentro de certas condições, para o estabelecimento de carreiras próprias, a par da gestão patrimonial, económica e financeira, contratos de aquisição e locação de bens e serviços, numa situação de maior autonomia e flexibilidade de gestão para os gestores de topo que, no entanto, não deixará de acarretar profundas alterações em termos de vínculos laborais para os futuros contratados e implicações no domínio,mais substantivo, da autonomia académica, o verdadeiro núcleo da autonomia universitária. 
  7. Uma maior independência face ao Estado e à carta de deveres constitucionais que lhe cabem, designadamente em termos de financiamento público, conduzindo previsivelmente a Universidade a uma maior dependência face a interesses privados, ao mundo dos negócios e ao universo mercantil, com todas as consequências que se conhecem já e que comportam riscos acrescidos para certos domínios do saber. 
  8. Finalmente, constata-se que, em contraste com os decretos de criação das atuais Universidades fundacionais, o financiamento da Universidade do Minho não é definido por contratos plurianuais, de duração não inferior a três anos, o que, não obstante estar formalmente previsto, não ocorrerá efetivamente e desde logo a partir do processo legislativo, mesmo sabendo-se que o Governo não cumpriu os contratos plurianuais que firmou com as três fundações já criadas. 
A criação de uma nova figura – a Fundação Universidade do Minho, fundação pública com regime de direito privado –, representa a adoção de um estatuto hibrido e mal definido que: altera e hierarquiza o modelo de governo da universidade; separa os académicos, e outros membros da Universidade, do locus privilegiado da governação económica, financeira e patrimonial; subordina o Estabelecimento de Ensino Universidade do Minho à Fundação Universidade do Minho; cria o Conselho de Curadores, órgão máximo mas de legitimidade democrática mínima; não resolve nenhum problema quanto à situação de subfinanciamento da instituição; admite algumas regras de gestão mais flexíveis mas, simultaneamente, coloca maior pressão quanto à captação de verbas próprias como forma de compensar a erosão do papel do Estado; permite uma gestão de pessoal considerada mais racional e flexível, sabendo-se, historicamente, o que isso significa e quais os impactos que poderá ter numa instituição em que a liberdade de pensamento, o inconformismo, a criatividade, o direito a errar e a experimentar, tal como a sua multissecular vocação crítica e de afrontamento de todos os poderes, representam a razão maior da sua existência e permanência ao longo da história. 
A aprovação destes Estatutos representa, por todas as razões apontadas e, certamente,por outras que a seu tempo ficarão claras para todos, uma das mais infelizes decisões na história de uma Universidade que nos tem dado tantos testemunhos de criatividade e de não opção pelos caminhos mais simples, bem como tantas razões de orgulho pelas suas realizações. 
Braga, Conselho Geral da Universidade do Minho, 7 de setembro de 2015
Licínio Lima | Manuel Pinto | Ana Cunha

Sem comentários: