01/06/11

Regime Fundacional: Declaração de Voto de Ana Cunha

Quero começo por deixar claro que, não tenho a mais pequena dúvida das boas intenções do nosso Reitor, e que acredita profundamente na mudança que nos propõe e nas vantagens que lhe identifica.

Mais do que aquilo que foi escrito e defendido, quer na Proposta de Alteração enviada em Novembro, quer no estudo das Implicações da Transformação da UM, que, como sabemos, tem como pilares as vantagens associadas à gestão financeira, patrimonial e de recursos humanos, considero de absoluta e incontornável importância analisar o que não foi escrito, nem dito, e, principalmente, o que não foi lido, ouvido e considerado. Afinal, também somos aquilo que não fazemos, e como colectivo acho que não fizemos o suficiente. Os debates organizados foram ‘pérolas’, é certo, foram fundamentais para introduzir o assunto e discuti-lo nas suas várias dimensões e sob diferentes ópticas, mas, como órgão que os organizou no sentido de ajudar a formar um espírito critico e esclarecido junto da academia, de que modo nos preocupámos em recolher o que daí resultou?
E refiro-me também à nossa incapacidade de analisar e discutir: as contribuições que nos chegaram à caixa do secretariado (mesmo assumindo que todos lemos os documentos que nos foram enviados a nosso próprio pedido, lembre-se, o que fizemos com essa informação?); os textos produzidos por responsáveis de UOEI e representantes dos vários corpos com assento no Senado Académico (sabendo que reuniu para debater especificamente a proposta de transformação da UM em fundação, que fizemos com as declarações produzidas?); refiro-me também às contribuições mais organizadas e colectivas dadas por algumas UO: os referendos. Podemos até desvalorizá-los, fazer-lhes todas as críticas, de forma, de semântica, mas, na verdade, todos sabemos que quer os Conselhos que os propuseram quer aqueles que votaram, sabiam perfeitamente o que queriam dizer e fazer. Na realidade muitos responsáveis que deixaram as suas declarações em anexo à acta do Senado de 4 de Abril referem erradamente ‘Fundação Pública de Direito Privado’, ou que os membros do Conselho Curadores ‘são da Universidade’, e obviamente que ninguém vai, por essa razão, desconsiderar o que pensam e querem manifestar. Mas voltando aos resultados dos referendos, e também às petições, às manifestações dos alunos, interpelações de colegas, aos abaixo-assinados, enfim, até ao recém-chegado documento da direcção do SNESup, como os interpretamos? E, como já tive oportunidade de dizer uma vez, ‘por que razão pedimos contribuições, afinal?’. Como dizia um colega no Senado, penso que ficou ‘a ideia de existir um divórcio entre o CG e a Academia, o que é mau’.

E se não há muitas dúvidas quanto às vantagens da migração para FPRDP, as já referidas e relacionadas com a gestão de topo (que podem ser muitíssimo relevantes, não digo que não, embora também sejam argumentáveis), e que aparecem invariavelmente replicadas em todas as posições favoráveis, é interessante verificar (da análise dos vários debates, textos publicados, contribuições, manifestações e mesmo conversas informais) que as preocupações e dúvidas são muito mais diversas, e são dependentes dos diferentes corpos, áreas de ensino e investigação, ou seja, estão relacionadas com as pessoas, a massa que faz a comunidade académica. Muitas “pecam” também por serem menos verificáveis, pois são ainda meras hipóteses à espera do amanhã (e nunca um amanhã foi tão incerto...), mas não podemos ignorar os sinais preocupantes que nos chegam de dentro - o não cumprimento de compromissos celebrados nos contratos da UA e do ISCTE; as mudanças relevantes inscritas nos programas de candidatura para as legislativas relativamente ao RJIES, ECDU e modo de financiamento à investigação aplicada; a sinalização do Tribunal de Contas sobre a indefinição do enquadramento e regulamentação das fundações a vários níveis, mas expressamente a situação das universidades que se transformaram em FPRDP -,  mas também de fora, com o que aconteceu e está a acontecer nalgumas universidades-fundação, como os graves constrangimentos na área das humanidades, aumento de propinas e inclusivamente processos de falência (como referido pelo Prof. Alberto Amaral na EEG). Fazendo uma analogia com a sempre ‘quente’ questão dos OGMs: as vantagens são fáceis de identificar e de interesse prático inabalável; os problemas, em geral vêm a prazo.

E de nada nos servem os discursos épicos sobre coragem e medo, responsabilidade ou falta dela (como é que a UM chegou até aqui com “os mais altos índices de desenvolvimento da sua História e mais vasto alcance de serviço público à região’, com um elevado reconhecimento interno e externo que tantos identificam, se não com muita responsabilidade e esforço de todos?); nem dizer que ‘quem não muda, morre’, porque, ditam as leis naturais tão velhas quanto a própria vida, quem muda mal, também morre. E até pode morrer mais cedo.

O problema do Ensino Superior, e portanto da UM, não se resolve com contratos plurianuais e agilidade gestionária, nem com eles se conquista uma verdadeira autonomia ou independência do estado (com quem vamos nós celebrar contratos-programa, afinal?). Mas sobre isso muito se falou nos debates. O problema é mais profundo. É primeiro de financiamento, mas também de racionalização, diferenciação, e se quisermos continuar, de entender as dinâmicas sociais e económicas, de questionar se este é o modelo de Escola do futuro. E é preciso haver uma estratégia nacional para o ES e nós precisamos discutir como nos vamos posicionar nela, como interagir com as outras instituições de ES e com a sociedade, quais são os principais desafios e como superá-los. Em rede?

Mais do que as muitas razões que já foram sendo apresentadas por nós, é partilhar convosco estas questões o que me apraz fazer ao chegarmos aqui. Mas por tudo isto sou contra a passagem da UM a FPRDP.

Braga, 30 de Maio 2011
Ana Cunha

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